sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Nostálgica tarde de sexta-feira

 A meia-luz do tempo chuvoso entra pelo vidro da janela do meu quarto enquanto caminho com o notebook em uma mão e uma e a caneca de café na outra. São 12:12. Na trajetória até a cama, atualmente o local de preferência para passar meus dias durante essa pandemia global que ainda nos assola mesmo sendo cada vez mais ignorada e teorizada, contemplo meus dois baixos com alegria nostálgica e expectativa futura. O Sol magro que se manifesta traz uma sensação cinematográfica e lembra tempos mais romantizados em que a música, o clima e a conversa sobre ambos me trazia toda a alegria de que eu precisava.

Não há frio, mas também não há calor.  Com uma leve virada de cabeça consigo visualizar tudo que me traz sentido e que representa quem eu sou. Os baixos, pedal, o amplificador, roupas, capacete, CDs, calçados, ferramentas, livros e até o meu próprio cabelo.

Aos poucos, esse estado de consciência vai me inundando e mostrando que veio para ficar como o novo normal. O primeiro sacudir do mar turbulento assusta e traz o medo, mas mesmo a sua inconstância se torna uma constante.

Tenho me sentido bastante nostálgico de tempos mais simples, mas acredito que isso é um reflexo da simplicidade atual que veio com a liberação de espaços. Não mais a vontade de me moldar para me encaixar, mas sim de ser e de mudar por mim mesmo, porém sem pressa e sem desespero.

No meu mundo, eu sou Deus de tudo. Como mais haveria de ser? Por quê seria eu insuficiente se sou eu que produzo, através dos meus sentidos, toda a existência ao meu entorno? 

O caminho é para frente, mas onde estou não só já é parte do caminho como já foi parte do objetivo. O Eu de 10 anos atrás estaria orgulhoso mas não surpreso com o Eu de agora. E é isso que nos liga.



segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Saudades... Manifestações de saudades

Recém-acordado, sento na beira da cama enquanto me situo para poder buscar algo que sacie a sede. É nesse momento de escuridão e semilucidez que nossos sentidos são reputáveis por nos pregarem as mais diversas peças. Talvez não sejam peças, mas sim somente manifestações de reflexos do que desejamos e valorizamos, fáceis de visualizar nessa transição entre dois mundos.

É aí que sinto, como muitas vezes tenho sentido... Saudade. O sentimento mais sincero, porém ao mesmo tempo o mais massacrante. Clara como a luz da Lua no céu limpo minha mente lembra como é ver seu corpo, de costas viradas para mim, se levantando na madrugada em busca de alguma coisa, não importa o que for, sentada da mesma forma que eu me encontro enquanto tenho tal visão, enquanto dentro desta miragem eu observo deitado e sinto a tranquilidade e a realização de não ser, mas simplesmente estar, ali naquele momento. Minha mente não perambula pelas esferas do consciente em busca de soluções, razões ou problemas, pois todo o nosso foco está no momento.

É enquanto tenho esta visão que começo a imaginar as palavras que aqui escrevo. Algumas não sobreviveram e caíram no esquecimento das horas entre sua concepção e o momento da escrita. Da mesma forma como essas memórias se tornam cada vez mais raras e mais difíceis de reproduzir, perdidas no caminho entre a realidade da vivência e a sobrevivência da saudade.

Sinto falta dos teus cabelos, assim como dos seus olhos, assim como de todo o resto. Sinto falta da pessoa que me acompanhava em meus melhores momentos, pois ajudava a construí-los. Sinto falta da pessoa que me fazia esquecer dos meus problemas, pois todos perdiam a grandiosa importância de antes de frente ao que sentia.

Sigo sem você, como queria que fizéssemos, mas ainda não consigo seguir sem a saudade de você.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

De dentro pra fora e de fora pra dentro

Fumegante, o horizonte é trespassado pela dança das chamas que avançam como bailarinas pútridas que por onde saltitam fazem estremecer o ar e trazem consigo a ceifadora de vidas. Lento, porém quase imparável por mãos solitárias, o círculo dessa ciranda de morte consome tudo aquilo que lhe é próximo e aumenta seu número de participantes e o volume de sua música de forma mútua.

As nuvens vão se tornando mais densas, porém nenhum chuva parece se pronunciar. Árido, o ar se torna quase tóxico enquanto a tarde se torna crepúsculo contra a própria vontade. As luzes dos postes acendem, fazendo o trabalho para o qual foram feitas, mesmo que o façam de forma inesperada.

Todos querem saber quem começou, onde começou e o que motivou os primeiros incêndios. Porém, o importante no momento não está nos motivos mas sim nas soluções. Salvar o que nos resta e preservar o intocado é a única coisa que deve ser feita de imediato. Sobrevivência antes de julgamento e investigação.

É preciso primeiro ficarmos livres daquilo que nos ameaça para depois, enquanto buscamos mecanismos para que não nos ameace novamente, procurarmos entender de onde veio a tempestade infernal que atentou contra o que nos era caro.

De uma forma quase macro-histórica (ou seria micro-histórica?), o interno e o externo continuam andando em conjunto.

Da forma que descrevo o que vi, fisicamente se manifestando, com meus próprios olhos, também descrevo o que que aconteceu comigo em um nível pessoal e que antes, durante e ainda agora sinto no âmago do meu ser.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O Martelo e a Bigorna que formarão o meu destino

Falha. Arrependimento. Infelicidade. Ódio próprio. O ciclo se mantém há gerações, estas sem vontade e sem coragem para mudar o que lhes foi apresentado e não foi combatido. O caminho lhes foi traçado pela causalidade e não pela volúpia de construir a si mesmo, ou de chegar a um objetivo que valesse a pena.

O medo era grande demais.

Eu serei o martelo e a bigorna que estraçalharão a sandice desse ciclo. Não mais por falta de tentar, não mais por falta de força de vontade, não mais por covardia e não mais por comodismo morrerão os sonhos e os objetivos de uma pessoa. Não mais por falta de movimento a vida será abandonada em favor da existência. Os erros e derrotas serão sempre presentes, mas não dominarão o panorama da pangeia de possibilidades e oportunidades que se estendem neste mundo interno que se projeta em minha mente.

Nunca mais quero me associar seja ao fracasso ou à perdição de meus predecessores. Nossas vidas são eternas na História mas únicas enquanto ainda em seu processo. Que se eternizem também vitórias e não só perdas. Que os exemplos sejam dignos de alegria e não nefastos. Que a influência traga progressão e não atraso. Se arrependa, mas não morra no passado nem mate o futuro enquanto estrangula o presente a todo momento em que seus olhos estiverem abertos.

Torne-se quem você sempre quis ser e subtraia do seu vocabulário intrínseco as palavras viciadas e os feitios que levaram seus ancestrais à falha.

Liberte-se dessa prisão criada sobre ti com engenharia de outrem mas usando as tuas próprias mãos. Quebre o ciclo. Não esmague-o, mas o estilhace. Ele não fará parte da sua vida nem das vidas que seguirão. Mate o que te mata. A força dele está na sua derrota.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Sonhos no Tártaro da esperança

Por duas noites seguidas eu tenho sonhado com a tua presença. com o recomeço daquilo que perdemos, com o acerto de contas e com o duplo entendimento da condição alheia. Com a vontade de permanências que nos impulsionam nos nossos caminhos. Na primeira, veio até mim. Na segunda, fui até ti. Nas duas, o conturbado metamorfoseou no tranquilo e o momento já-terminado morreu, esquecido fora do campo do aprendizado, e deu espaço a um novo início, livre das garras e amarras e cobranças do passado.

Por quê? Por mais que esta seja uma realidade que me traria alegria, não busco tais sonhos. Os sonhos sempre foram, para mim, um refúgio da realidade. Maldita realidade, que nos derruba em todas as chances que se apresentam e que nos empurra para baixo sempre que percebe um fraquejo. Agora, me atormentam da mesma forma que o esperar do próximo dia. Me mostram o que poderia ser.

Mas acordo e imediatamente percebo a realidade no meu entorno. O inferno parece cada vez mais vazio. A crise se manifesta em todos os planos; e os anjos descem ao abismo para buscar os demônios enquanto outros escalam as montanhas erebicas na esperança de alcançarem a luz ou na ilusão de alçarem voo mais uma vez com a ajuda de ventos mais fortes.

Talvez as profundezas não estejam tão mais vazias quanto desocupadas. São poucos os que não voltam. Eu mesmo voltei, mesmo que muito antes de abrir meus olhos para aceitar a falta de luz. Porém, errados somos nós que esquecemos de onde viemos e nos acostumamos com a contumaz clareza dos mundos geograficamente superiores, que enquanto nos querem se fazem onipresentes em nossas vidas.

O ódio sempre existiu e sempre existirá, mas hoje ele se direciona não para as unidades ou para os singulares, acostumados com tal forma de viver centrada no si, mas sim para as estruturas e para essa torre de existência que nos limita e nos engana. A morte dos céus não está na morte de seus integrantes, mas na derrubada de seus alicerces.

De toda forma, seria ela um anjo ou demônio adversário? Tanto faz. Os anjos já não são os mesmos e os demônios muito menos. Neste buraco abadônico, o que mais se busca é o passar dos dias e às vezes um lugar sobre as rochas ígneas onde o sono de Hypnos nos ajude a esquecer da morte constante. Subir a escada da existência, por aqui, é um processo individual. O fogo primordial não habita as profundezas anaeróbicas, mas também não pode existir na excessividade estratosférica. É preciso usarmos nossas asas não só para voar, mas primeiro para nos equilibrarmos na caminhada, pois elas ainda não estão prontas para a viagem. A escalada, hoje, se dá de forma menos heroica e menos unida, mas já é possível traçar os próprios trajetos e atravessar aqueles que no caminho do meu objetivo se estabelecem.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Dialética construtiva do espaço interior

Construa sua fortaleza de vidro e a veja explodindo em milhões de pedaços quando qualquer coisa quiser entrar (ou sair) e não pedir para que abaixe a ponte levadiça. Após isso, role nos pedaços espalhados pela sua fundação e tente se sustentar no que restou, se empenhando para juntar os cacos em mãozadas e colocá-los de pé novamente, só para vê-los desabar com a falta de suporte e de rigidez.

Esqueça o que já foi, esqueça a fortaleza de vidro e se aplique em deixar seduzir pela ideia de construir algo novo, em um lugar novo da mente onde não deva pagar taxas ao medo. Construa ali, no local anterior, não uma fortaleza mas um mausoléu titânico que, durante a sua construção, te obrigue a refletir. E que, após pronto, não impeça a entrada nem a saída e não ofereça em seu interior nada além de memórias e aprendizado.

E, no local novo, use suas ferramentas analisantes, fixantes e reflexivas para construir não uma nova fortaleza mas sim uma casa, ou uma vila, ou uma cidade, onde a vida não só prospera como caminha e constrói e se reconstrói com a força dos tijolos maciços que são usados em sua estrutura. Deixe abertas as portas e janelas e trate as coisas não com extremismos (seja do lado de dentro ou do lado de fora) mas sim com o discernimento de quem possui dentro de si um Deus de chamas infernais que decide, faz, e sabe o que é bom para a sua casa, ou vila ou cidade.

Construa com a força e o objetivo da liberdade própria, e não da estagnação eterna. Construa de forma que um tijolo ou uma parede derrubados não abalem o construtor. Construa para reconstruir, renovar, modificar e adaptar. Que os alicerces sejam criatividade e princípios, e não meros materiais rígidos. Faça para si um lugar de tamanho suficiente para a sua própria grandeza, ao invés de se limitar ao tamanho da fortaleza que o sela.