Uma nova descensão. Um novo degrau abaixo. Mais um pouco de sombra - independente de qualquer luz superior.
A chama negra cria, mas também apresenta, imagens que passam de danças ululantes por ríspidas estátuas prostradas no que aparenta muros de pedra infinitamente concentrada, como um quadro que se faz diante da visão daquele que observar com o olhar de quem deseja aprender a entender.
A sabedoria do abismo é o micélio da criação, a semente da gênese de tudo que compõe aquilo que todos somos. Tudo que dele sai, tudo que nele cai, nos acompanha infinitamente. E é para ele que devemos nos voltar sempre que o rugido da vontade de contestar o que ali fez sua morada for ensurdecedor.
Pois é assim que se faz. O vale da Morte é feito de pequenas mortes não resolvidas que absorvem a alma de quem matam e se tornam cada vez mais aterradoras e inchadas, ocupando espaços e fazendo barulhos que não lhes pertencem.
Quando é impossível ignorar a sua existência, a inevitabilidade da escolha se faz presente diante dos nossos olhos como se fosse um espectro da mortalidade que nos rege. Com seus braços abertos, com seus olhos vendados e com sua forma decrepitamente plena e absolutamente ilibada em razão da veracidade incontestável da mensagem que representa, essa forma sepulcral porém vertiginosamente, assombrosamente, formidável, denota as únicas opções daqui em diante: navegar, descer as escadas até o âmago do próprio báratro das experiências e ideias, para confrontá-las de uma vez por todas (por enquanto) ou evitá-las mais uma última vez, abrindo fatalmente os portões para a eternidade das estrelas e dos planetas sombrios para além do véu que estende daqui até o além-vida.
Atingindo o precipício do matadouro de almas, face-a-face com o próprio destino revelado, o espelho negro que mostra onde cheguei e nada mais, é imprescindível seguir os conselhos da mão esquelética que escorrega do esteio desse submundo e mostra por onde caminhar para acarar aquilo que me canibaliza - e eu já sei o resultado dessa batalha infernal.
Encontrando através de caminhos ondulados o cerne da insatisfação, do sofrimento, da dúvida, do medo e do questionamento insensato e inútil, como sempre se mantém indubitável a fraqueza pálida da raiz desse sephiroth extorsor de vida. Tão evidente é a sua languidez que chega a ser repugnante o dano causado por tamanha e potente robustez de seus galhos.
Com um único olhar, a lembrança de que sua volúpia virulenta é alimentanda unicamente pela potência da afirmação e do questionamento que de mim mesmo brotam é suficiente para ceifar sua vida numa fração de segundo, aniquilando seu bulbo maldito e apodrecendo seus galhos de arbusto sem tronco como se eras fossem consumidas em um segundo.
Eu sei que a sua morte é incerta e que a ressurreição me aguarda, mas nesta batalha a vitória é (mais uma vez) minha. Aqui eu permaneço, aqui eu cultivo minha própria Qliphoth e fortaleço o exército da minha própria alma e da minha própria mente. Nos salões infinitos desse abismo eu faço minha morada, como andarilho das mãos esqueléticas extraio tudo aquilo que me é possível.
No Vale da Morte, Eu sou Seu Rei.