Quando eu primeiro os encontrei, os temi. Criaturas altas, de formas instáveis, movimentos lentos e incertos, cores artificiais para olhos terrenos. Sua presença não devia ser aceita pelas leis da natureza e sua presença naquele espaço não fazia nenhum sentido.
De onde vieram? Quais eram os seus propósitos? No que pensavam? Por que não se locomoviam, de forma a sair dali? Estariam inertes? Ou talvez esperando o momento exato de agir? Ou talvez, de forma ainda mais inominável, já estariam agindo em passos que minha mente simplesmente não conseguia compreender?
Sua forma gelatinosa, porém densa, às vezes parecia escorrer porém sempre retornando ao formato original. Mesmo possuindo braços, pernas e cabeça - embora sem um pescoço, pois não havia feições e a ligação ao corpo era direta - e possuindo cada um uma fenda no lugar do rosto, estas facilmente uma das suas partes mais temíveis pois pareciam projetar de forma interna uma visão do vazio, não utilizavam sua constituição para nada que me fosse reconhecível. Ou, para maiores efeitos, para nada.
Foi quando um dia, após já ter entrado diversas outras vezes, e em diversas outras datas, naquele cômodo - na verdade aquele cômodo era tudo o que remanescia das ruínas de uma velha casa de tijolos na zona rural, esquecida para o tempo e para a natureza pelo ritmo com o qual a urbanização havia sugado as pessoas para as cidades, de forma inevitável, e abolido a exploração e o conhecimento do mundo externo - que estava abandonado e caindo aos pedaços, com vigas de madeira desabadas, pedaços de céu entrando pelos buracos do antigo telhado em tamanhos maiores que os corpos de alguma pessoas, portas caídas ou decompostas e janelas inexistentes, que eu os vi novamente porém desta vez de forma surpreendente. Em qualquer outra situação, com outras companhias, aquilo não me surpreenderia, mas estavam juntos em um canto do cômodo, praticamente tocando ombros, quando um deles, aquele mais distante, de fato rachou como que pela força do pensamento a parte baixa da sua cabeça e dali fez-se um semblante de boca (se é que pode-se chamar um abismo existencial sem feições determinadas ou quaisquer outros detalhes de boca) e começou a proferir palavras que falavam das coisas mais diversas. Em meu receio, senti como se meu coração e meu cérebro se partissem em uníssono à abertura de tal fissura incompreensível, mas, assim que comecei a ouvir, parte do medo foi substituído quase que de maneira instantânea por curiosidade e aproximação, guiados por aquilo que era dito.
Por muitas vezes, o que os dois seres improváveis diziam (e aqui julgo que um falava pelos dois (se é que eram um, dois, centenas ou milhares ou incontáveis)) era frustrantemente ininteligível. Porém, às vezes me falavam de coisas tão claras quanto a luz do dia que ainda permeava pelas falhas decadentes daquela construção.
Às vezes falavam da minha vida, como se soubessem até mais do que eu, e me ofereciam frases inesperadamente proféticas. Às vezes, soavam como um oráculo cabalístico que me dizia que meu destino estava próximo, porém que as peças ainda não estavam prontas para o encaixe.
Seja como for, a partir do momento que me fizeram refletir e que começaram a me guiar, mesmo de forma inesperada e talvez não tão intencional, exitosa ou direta, a sua fala incólume afastou os últimos semblantes de medo e de curiosidade sobrenatural. Aos poucos entendi que sua origem, seu conceito, seus planos e suas maquinações nunca seriam realmente compreensíveis para mim. O que me importava era aquilo que eu era capaz de assimilar e identificar. Por mais que pudessem ser deuses, demônios infernais, ou mesmo criaturas caóticas intangíveis viajantes de outros planos, estes tão alienígenas para a humanidade quanto o conceito de física quântica para uma folha de papel morta, eu era o receptor de seus conhecimentos. Por mais que não me respondessem, nem sequer demonstrassem me ouvir por mais que eu tentasse, comunicavam o que queriam e para mim aquilo era o suficiente.
O Caos é, obviamente, algo inesperado. Ou você enlouquece tentando entendê-lo por completo, ou assimila o que lhe é valioso e compreende que ele é composto em sua maior parte pelo que há de mais incompreensível, aceitando o seu destino enquanto mero receptor daquilo que o seu limite humano permite ao seu cérebro absorver e incorporar.