sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Caos Inominável

Quando eu primeiro os encontrei, os temi. Criaturas altas, de formas instáveis, movimentos lentos e incertos, cores artificiais para olhos terrenos. Sua presença não devia ser aceita pelas leis da natureza e sua presença naquele espaço não fazia nenhum sentido.

De onde vieram? Quais eram os seus propósitos? No que pensavam? Por que não se locomoviam, de forma a sair dali? Estariam inertes? Ou talvez esperando o momento exato de agir? Ou talvez, de forma ainda mais inominável, já estariam agindo em passos que minha mente simplesmente não conseguia compreender?

Sua forma gelatinosa, porém densa, às vezes parecia escorrer porém sempre retornando ao formato original. Mesmo possuindo braços, pernas e cabeça - embora sem um pescoço, pois não havia feições e a ligação ao corpo era direta - e possuindo cada um uma fenda no lugar do rosto, estas facilmente uma das suas partes mais temíveis pois pareciam projetar de forma interna uma visão do vazio, não utilizavam sua constituição para nada que me fosse reconhecível. Ou, para maiores efeitos, para nada.

Foi quando um dia, após já ter entrado diversas outras vezes, e em diversas outras datas, naquele cômodo - na verdade aquele cômodo era tudo o que remanescia das ruínas de uma velha casa de tijolos na zona rural, esquecida para o tempo e para a natureza pelo ritmo com o qual a urbanização havia sugado as pessoas para as cidades, de forma inevitável, e abolido a exploração e o conhecimento do mundo externo - que estava abandonado e caindo aos pedaços, com vigas de madeira desabadas, pedaços de céu entrando pelos buracos do antigo telhado em tamanhos maiores que os corpos de alguma pessoas, portas caídas ou decompostas e janelas inexistentes, que eu os vi novamente porém desta vez de forma surpreendente. Em qualquer outra situação, com outras companhias, aquilo não me surpreenderia, mas estavam juntos em um canto do cômodo, praticamente tocando ombros, quando um deles, aquele mais distante, de fato rachou como que pela força do pensamento a parte baixa da sua cabeça  e dali fez-se um semblante de boca (se é que pode-se chamar um abismo existencial sem feições determinadas ou quaisquer outros detalhes de boca) e começou a proferir palavras que falavam das coisas mais diversas. Em meu receio, senti como se meu coração e meu cérebro se partissem em uníssono à abertura de tal fissura incompreensível, mas, assim que comecei a ouvir, parte do medo foi substituído quase que de maneira instantânea por curiosidade e aproximação, guiados por aquilo que era dito.

Por muitas vezes, o que os dois seres improváveis diziam (e aqui julgo que um falava pelos dois (se é que eram um, dois, centenas ou milhares ou incontáveis)) era frustrantemente ininteligível. Porém, às vezes me falavam de coisas tão claras quanto a luz do dia que ainda permeava pelas falhas decadentes daquela construção.

Às vezes falavam da minha vida, como se soubessem até mais do que eu, e me ofereciam frases inesperadamente proféticas. Às vezes, soavam como um oráculo cabalístico que me dizia que meu destino estava próximo, porém que as peças ainda não estavam prontas para o encaixe.

Seja como for, a partir do momento que me fizeram refletir e que começaram a me guiar, mesmo de forma inesperada e talvez não tão intencional, exitosa ou direta, a sua fala incólume afastou os últimos semblantes de medo e de curiosidade sobrenatural. Aos poucos entendi que sua origem, seu conceito, seus planos e suas maquinações nunca seriam realmente compreensíveis para mim. O que me importava era aquilo que eu era capaz de assimilar e identificar. Por mais que pudessem ser deuses, demônios infernais, ou mesmo criaturas caóticas intangíveis viajantes de outros planos, estes tão alienígenas para a humanidade quanto o conceito de física quântica para uma folha de papel morta, eu era o receptor de seus conhecimentos. Por mais que não me respondessem, nem sequer demonstrassem me ouvir por mais que eu tentasse, comunicavam o que queriam e para mim aquilo era o suficiente.

O Caos é, obviamente, algo inesperado. Ou você enlouquece tentando entendê-lo por completo, ou assimila o que lhe é valioso e compreende que ele é composto em sua maior parte pelo que há de mais incompreensível, aceitando o seu destino enquanto mero receptor daquilo que o seu limite humano permite ao seu cérebro absorver e incorporar.

domingo, 30 de junho de 2024

Agora

 Olhe pra mim agora.

Estou onde você planejava e esparava? É claro que não. Saoraros aqueles que estão. E o que pensar sobre isto? Deveríamos nós seguirmos a vida conforme o plano autodivino de um predecessor e devemos vivê-la e entendê-la e escolhê-la às nossas regras? Entre as duas opções, a segunda me parece muito mais atraente.

De toda forma, mesmo estando no caminho que eu trilhei, ainda assim há muito que poderia ter sido diferente. Porém, o passado não existe a não ser na nossa mente. O que existe são as suas consequências. Então, só posso dizer que ainda há muito espaço para ser planejado, pois a cada curva e a cada saída do caminho o leque se abre ainda mais, e onde estarei no futuro será surpreendente até para mim mesmo.

Viver é aceitar tais regras fundamentais.

sábado, 25 de maio de 2024

Xeper

 "Eu me tornei a mim mesmo"

Somente após a morte (ou à relegação à caixa de ferramentas da consciência) do ego é que é possível se tornar, completamente, aquele que se realmente é.

Todos temos momentos de acesso a esse estado, nos momentos entre os momentos. Entre os pensamentos, entre os sentimentos, na ponte, na transição, nos momentos de nada; entre a inspiração e a expiração, é que mora - escondido por nós mesmos - aquele que realmente somos.

Alguns chamariam de inspiração divina, outros de princípios, outros de conhecer o próprio destino, de uma forma de iluminação, conhecer sua própria Shambhala, se tornar seu próprio Deus, dentre outros infinitos nomes.

É quando sabemos que algo é certo, que será (ou pelo menos deveria ser) feito, que é parte de nós sem que precisemos raciocinar anteriormente, que encontramos momentos de nós mesmos. Eudaimonia.

É saber, a priori, quem realmente se é. É trazer para a superfície o ser, e não o ego. É fugir das amarras dos julgamentos baseados na identidade que se atribui, ou quer atribuir. É entender o que realmente importa para depois aplicar, através das emoções e dos pensamentos, as ferramentas que se possui para concluir o projeto (ou os projetos) que satisfazem as condições da própria existência. É conhecer a si mesmo.

Porém, isto só é possível se dermos tempo para nós mesmos. Se praticarmos nos libertarmos, pelo menos por alguns momentos, do mundo externo e dos pensamentos internos. É saber viver com o nada. É aceitar o nada e perceber o que surge a partir dele. É acessar um mundo onde só existe o ser. Não o "eu", mas sim o "Ser".

É realizar, sintetizar, montar as peças do quebra-cabeça, e entender que o que já foi e o que será não só não nos limitam como também não existem além de formas de transporte e do aprendizado, ou seja, não existem como forma definidora.

Abrace a espontaneidade do viver, aprenda o que é realmente se projetar e expressar no mundo. Não de forma hedonista, mas sim da forma real que já existe mas que muitas vezes não percebemos.

Torne-se a si mesmo. Xeper.







sexta-feira, 10 de maio de 2024

Jogo de Palavras

Conceitos me são caros. Sempre gostei de entender os significados das coisas. Por que? Por qual razão? Por qual motivo? Qual o significado? Onde está o sentido?

Racionalizar, analisar, entrelaçar, relacionar, enteiar: alguns de meus passatempos favoritos. Para mim, ligar coisas através de seus sentidos é algo que me é natural pois é algo que provoca uma condição exploratória: uma abertura de novas portas, que talvez nem existissem. A descoberta do novo, ou do escondido.

E é daí que vem o jogo de palavras. Para jogar, é necessário entender as regras. Os significados (absolutos e definidos ou prováveis) de cada peça. E é aí que entendemos que as jogadas são infinitas. É aqui que eu jogo e brinco com elas. No meu domínio, o sentido me cabe. Porém, quando entrar nele, sinta-se livre para aproveitar os frutos das árvores que mais lhe aprazerem. Traga suas próprias peças e as una às minhas, as compare, as aproveite e as jogue contra as que aqui lanço. Lutemos neste campo de batalha onde todos que jogam saem ganhando.

Redação, dissertação, análise, tese, antítese, síntese, poema, prosa, narrativa, fato, estilo, cadência, tratado, manifesto, e todas as outras infinitudes de possibilidades. Tanto faz. Exercitemos nossa capacidade de distribuir conceitos e seus sentidos. Se todo problema é um problema linguístico, comecemos com as perguntas mas introduzamos as respostas enquanto aquelas ainda estão sendo feitas. Não deixemos para o casa das letras a soberania sobre elas. As portas nunca estiveram fechadas pois somos feitos de significados. O mundo só o é enquanto o avaliamos. Todo julgamento é construtor, mesmo que for construtor de destruição.

O faça não por inspiração, mas sim por necessidade de alimentar a chama do questionamento infinito. Do exercício interminável da abstração.

Vontade e Potência

 Vontade de Potência, resumida pela busca pela Vontade de Potência.

O círculo infinito da busca não do objeto, ou do objetivo, mas da realização da sua força imanente e potencial. É aí que reside o poder da ação. Não no resultado, mas na ação em si. O poder fazer é o que sacia a vontade de fazer. A ação legitima a crença na força individual; na manifestação de uma existência que se mostra válida, forte e suprema dentro do que lhe é proposta por si mesma.

É isto que engrandece o indivíduo. O que é gerado por si próprio. As opiniões e vontades alheias não mais importam. Perante a força da Vontade de Potência, tudo cai ao chão. E é sobre os escombros de possíveis muros que ela se engrandece. É daí que sai seu sustento; é aí que ela se alimenta.

A proposta da existência do inalcançável é dialética, pois ao mesmo tempo que pode quebrar a Força interna, se rígida o bastante para segurá-la, pode a maximizar, mediante as possibilidades daquele momento, com a grandeza do estrondo de sua queda.

É a derrubada dos muros - internos e externos - que projeta para o mundo quaisquer movimentos. É o desafio de fogo - o teste final - que pressupõe a subida (ou não) para os salões da magnitude humana. Porém, após escalá-los, não mais se fazem suficientes. É preciso alcançar os deuses, os titãs, o universo.

Suficiente não é existente. É o refúgio dos fracos e medíocres. É na sede, na volúpia, na busca pelo mais, que reside a Chama da Vida. O Impulso de Seguir em Frente. Vontade de Potência.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Desvalorização em Evolução

 É estranho como de vez em quando sinto que a hora está chegando.

Nada mais tem sentido. Nem sentido no sentido metafísico nem sentido no sentido pós-niilista, em que finalmente descobrimos que somos nós que damos sentido à palavra "sentido". Não sinto mais nada disso.

Propósito.

Vontade.

Conexão.

Relação.

Onde? Perdidos. Perdidos em meio ao lugar onde chegamos. Um lugar em que nada é valorizado, nada valoriza. Exploração constante, onde uns ascendem a pirâmide enquanto a constroem com os corpos dos demais, é a norma. E, mesmo nas baixadas abissais, não há união nem compaixão. Muito menos consciência. É só lamúria (e aqui contribuo com a parte que me cabe) e frustração. Ação se tornou passado. É muito arriscado. Somos muito importantes. Um grão de areia, uma gota d'água, porém extremamente importantes.

Dicotomia terrível. Enquanto defendo a deificação do indivíduo, também torço para que haja em prol do bem coletivo. Será que a ginástica mental para dar sentido a isso tudo vai longe demais? Ou será que é uma situação que só pode ser explicada de tal forma? Afinal, conclusões extraordinárias requerem provas extraordinárias. Não é assim que aprendemos?

Enfim. Se fazia necessário extravasar, assim como eu sempre recomendo, pra esvaziar algumas gavetas e dar espaço para tudo que está batendo na porta, pedindo pra entrar. Entre mas não sinta-se em casa. A geladeira está vazia e as cadeiras estão cheias de roupas. Estou ocupado demais pra processar vocês neste momento.

A desvalorização me aguarda.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Português abaixo

-I'm sorry.

I'm really, really sorry.

I didn't want to be like this but, everytime I see your contagious happiness it makes me hate you even more.

You make me feel it, like there's a joy to be had while living. Like life isn't even that bad after all. It seems worth living and smiling about it.

But this only lasts while we're together. After we go our own ways, it is all gone. Hit by the truth like a hammer, the claws of the tentacles of depression grab me and remind me that the world has no magic in it at all. It is all particles, marching towards either oblivion or dissolution. Nothing has sense, meaning or beauty. Happiness is but a hypothetical concept.

And, for that, you will now die!

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-Eu sinto muito.

Eu sinto muito, muito mesmo.

Eu não queria ser assim mas, toda vez que eu vejo sua felicidade contagiosa ela me obriga a te odiar ainda mais.

Você me faz senti-la, como se houvesse alegria para sentir enquanto vivemos. Como se a vida não fosse tão ruim afinal de contas. Parece valer a pena viver e ainda com um sorriso.

Mas isto só dura enquanto estamos juntos. Depois que vamos cada um para um lado, tudo se vai. Atingido pela verdade como uma marreta, as garras dos tentáculos da depressão me agarram e me lembram que o mundo não tem nada de mágico. Tudo são partículas, marchando rumo ao esquecimento ou à dissolução. Nada tem razão, significado ou beleza. Felicidade não é nada além de um conceito hipotético. 

E, por isso, agora você vai morrer!