terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Relações interpessoais

 É sempre tão difícil. Por mais que eu conheça a teoria, as ideias, as palavras, a ciência, as variáveis e até os personagens, é sempre tão difícil. Às vezes não parece, mas parece que quase sempre é. Pelo menos quando falamos de forma individual e extensa.

O passado é estranho. Refletindo, agora, parece-me que nem sempre foi. Ou nem com todo mundo. Mas há categorias de pessoas com as quais sempre é. Seriam aqueles que mais admiro(ei)? Seriam aquelas mais enigmáticas? Seriam aquelas onde sinto que tenho mais a perder em forma de potencial (essa ideia que ainda se agarra como um parasita)?

Às vezes penso que isto é algo exclusivo, mas talvez não seja. Porém, não é tão comum porque é algo sempre percebido. Vai saber. Hiperanálise sempre nos decepciona e martiriza, nesses momentos.

Vergonha acumulada às vezes se transforma em compaixão pelo diferente, pelo doente, pelo transtornado. Mas não será isto um mero mecanismo de defesa? Uma forma de procurar um culpado externo? Uma parte da eterna fuga da responsabilidade? Não seria isto mais um sintoma do próprio problema? Se sim, está aí o próprio Ouroboros.

De qualquer forma, é tão difícil de lidar. Sempre foi e às vezes parece que sempre será. Medo, falta de identificação. Expectativas boas e ruins. Paralisia.

Ah, se eu soubesse. Mas é aí que mora a graça de vida. Quase nunca se sabe.

E se, sabendo, quase sempre surge um arrependimento questionável, por que não tentar sem saber?

Sei lá. É tão difícil.

domingo, 8 de dezembro de 2024

Fé inabalável

 Sua fé era tamanha que o senhor seu deus só poderia recompensá-la de uma forma: com a morte. Foi pensando nele que viveram a totalidade de suas vidas. Foi no momento em que a linha seria fatiada e o portal do desconhecido atravessado. Um a um eles foram ceifados: a maioria pela praga, mas muitos também pelos diversos outros motivos que levam humanas todos os dias.

Engraçado que não só eles como milhões de outras pessoas, com crenças bem menores, também foram levadas em mesma proporção e pelas mesmas causas. O hilário é que, a única diferença, estava no sentido atribuído por cada um. Uma mera forma de pensar mudava tanto a situação que pareciam estar passando por coisas extremamente diferentes.

Mas é assim com toda a vida.

Ideais, fundamentos e moralismos são como cores, sabores, cheiros e texturas: a vida possui substância e características inerentes, mas o tempero, a forma de preparo e as preferências individuais de cada um são o que realmente moldam a experiência de quem a vive.

Bem e mal, viver e morrer: para uns são conceitos fugidios além da vida e da morte, enquanto que para outros só existem a vida e a morte e delas nada foge.

Por bem ou por mal, é aí que mora a graça de ser humano. Nas variações, nas diferenças, nos temperos. E na coleção que fazemos deles e nos que deixamos para trás. Evoluímos tanto no decorrer dos milênios como no decorrer de horas, minutos, dias, anos, meses ou textos.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Você vem

 Você vem rastejando de forma ritmada, ululante, fluida. Como uma serpente no escuro, sem começo e sem fim. Somente corpo. Sua aparência é enorme, como o tronco de uma árvore centenária que se move em homogeneidade e sufoca a mente com uma tamanha imposição trévida em meio ao corredor assombroso e de certa forma indefinido.

A luz é tão pouco que sinto como se estivesse observando uma foto; que se movimenta em tal, singular, destreza, que me confunde como que uma ilusão de ótica.

Ao ponto que percebo seus avanços, já é tarde demais. O peso sufoca qualquer semblante de esperança; e a fulgura de um campo amplo, ou de uma estrada infinita, se fecham em um instante. Instante este em que somos consumidos por uma prisão férrea e orgânica, acachapante e impositiva mas de forma além da compreensão ou da razão sórdida. É meramente intuitiva, parte essencial da humanidade. Um meio de defesa. Uma jaula não para me prender, mas para me segurar.

"Suas raízes se desprendem do chão conforme são macetadas e avacalhadas, avassaladas pelos dias, meses, anos e acontecimentos. Aqui eu te prendo, te enjaulo, te incorporo, te amasso e te assento novamente. Uma planta transplantada é preciso sê-la à força. Se o solo em que está é pobre, ou se passam por ela e a atacam a ponto de colocarem em risco a sua vida, é mais que necessário arrastá-la para onde esteja a salvo. E dali não tirá-la nem deixá-la se arrancar. É ali que ela se fincará novamente na fundação da Terra e apontará, ao mesmo passo, para os Céus e para os Infernos. Assim como em cima, também embaixo. Um sozinho é a morte. Os dois juntos, e tem uma vida."

De soslaio percebo, da única forma que consigo observar enquanto me afundo e me dou à força, e não à luz, que o movimento continua enquanto eu me absorvo em minha própria existência para mais uma vez me aterrar nas bases desse monumento deificante. Demiurgo, eu sou tanto aquele que é pisado e deformado quanto aquele que pisa e deforma. Sob meus próprios pés, sob meu corpo de serpente, eu me formo como avatar de mim mesmo.